O Assédio existe, pois claro!

In:
Expresso, 25.Junho.94
José Sarmento Ferreira

MARIA TERESA HORTA (MTH), a propósito da existência ou não do assédio sexual, recomendou neste caderno santa paciência aos «rapazes». Na minha qualidade de «rapaz» quero devolver-lhe a recomendação.
MTH começa por dizer que o discurso indignado dos homens pretende fazer crer que o assédio sexual não existe. Não pretende tal. O assédio existe. Assim como existe uma ideologia e uma psicose do assédio, deliberadamente construídas para que todos os comportamentos masculinos possam de futuro vir a estar sujeitos ao controlo e à validação «a posteriori» por parte de uma elite feminista «politically correct».
Como estão em causa os direitos das mulheres, e os meus, acho que vale a pena ser claro. Dra. Maria Teresa Horta: eu não tenho o direito de fazer nada a uma mulher que não tenha o direito de fazer a um homem. Não tenho o direito de lhe fazer nada que ela não tenha o direito de me fazer a mim.Tenho todo o direito de lhe fazer tudo o mais. Não a posso agredir, não posso roubar o que lhe pertence. Estas proibições decorrem de que as mulheres são seres humanos e como eu, membros de uma sociedade. Decorrem das semelhanças entre nós. A única razão por que eu tenho obrigações morais em relação a si, e V. em relação a mim, está em que ambos sangramos se nos ferem, ambos sofremos se nos humilham, ambos aspiramos a ser alguma coisa mais do que bichos. Está em que ambos somos pessoas. No preciso momento em que um de nós deixe de ser uma pessoa aos olhos do outro, ambos teremos perdido todos os nossos direitos. É a condição de pessoa, não o sexo, nem a raça, nem nenhuma particularidade ou idiossincrasia que determina os meus direitos, os seus, e os de qualquer homem, mulher ou criança deste planeta.
Há, é certo, particularidades de que resultam obrigações específicas. Não tenho o direito de violar uma mulher. Não tenho o direito de lhe impor, sob ameaça ilegítima, obrigações que ela não tem. Mas tenho:
— O direito de olhar para ela, tal como o tenho de olhar para o Papa ou para o rei de Espanha sempre que me apetecer. «A cat can look at the king».
— O direito de a achar atraente, e de lho dizer, tal como tenho o direito de elogiar ou criticar seja quem for, seja quando for.
— O direito de lhe fazer as propostas que entender, sexuais ou não, a propósito ou não, em contexto ou fora dele. Propor não é impor. Se fizer a minha proposta a despropósito, ou fora do contexto social ou afectivo que, no entender dela, é o mais adequado, a minha interlocutora tem o direito de formar opinião sobre a minha sensibilidade, o meu gosto, a minha educação ou as minhas opções morais; não tem o direito de me mandar para a cadeia ou de destruir a minha carreira profissional.
— O direito a que os meus actos sejam avaliados pelos seus méritos ou deméritos objectivos, e não em função do meu sexo ou das intenções que uma ideologia lhes atribui nem pela maneira como outra pessoa alega tê-los subjectivamente experimentado. Isto é: se eu disser a uma mulher «estás muito bonita» tenho o direito a que não se pense só por isso que estou a tentar seduzi-la; e se com essas palavras, ela se sentir violada, o problema é dela. Eu tenho o direito, inalienável, de ser avaliado pelo que efectivamente faço ou digo. A minha indignação, a indignação que cresce em muitos homens, deve-se à denegação destes e de outros direitos por parte de um feminismo sexista cada dia mais totalitário. Ninguém, sossegue, pretende fazer crer que o assédio sexual não existe. Deixemos a negação do real aos ideólogos, cujo poder depende dela, e reconheçamos que o que existe existe: o assédio, pois claro.

(...)
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Como qualquer pessoa que tenha a paixão da liberdade humana, temo e abomino a ideologia do politicamente correcto e a sua variante sexista-feminista. A ideia de que os pretos têm direitos porque são pretos, e não porque são seres humanos, de que as mulheres tem direitos enquanto mulheres, ou os homens enquanto homens; o policiamento da linguagem; a avaliação dos comportamentos por critérios subjectivos e não verificáveis; a atribuição do «género» ao discurso (diz-se hoje «discurso masculino», como há muito tempo se dizia «democracia burguesa», ou «judenliteratur»), tudo isto nega a nossa humanidade comum e leva à denegação dos nossos direitos. Como os totalitarismos nazi e estalinista, o sexismo feminista explora, sem as resolver, queixas legítimas de um grupo realmente oprimido. Como o nazismo e o estalinismo, particulariza privilégios sem reconhecer direitos: tenho, ou julgo ter, certos privilégios, porque sou ariano, porque sou operário, porque sou mulher, e nunca porque sou gente. Como o nazismo e o estalinismo, falsifica o outro para fabricar um inimigo externo: o «white male», o assediador, o colonialista de escritório.
Há, é certo, diferenças. Diferenças de ênfase, de subtileza, e sobretudo de poder. Os comissários do politicamente correcto ainda não construíram campos de concentração nem fornos crematórios. Não se pode dizer que o «politically correct» é o fascismo do século XXI, pela simples razão de que há vários candidatos a esse título: os fundamentalismos religiosos, as tribos do futebol, os populismos mediáticos, um certo «fascismo de empresa» que se vai generalizando. Se é possível imaginar a aliança do «politically correct» com alguns destes totalitarismos embrionários, com outros é totalmente impensável.
Isto é: num futuro campo de concentração de que Andrea Dworkin seja directora o reverendo Moon não poderá ser se não prisioneiro; se for ele o director, a prisioneira será ela. Mas eu, e qualquer «humanist white male» como eu, e o dr. Vasco Pulido Valente, seremos de certeza prisioneiros em qualquer deles. Sousa Jamba talvez escape por ser preto, mas mesmo assim temo por ele: é dos que pensam pela sua própria cabeça, e isso é sempre perigoso.
Lutar contra os fascismos pós-modernos é, assim, para um grande número de pessoas, um imperativo de consciência e de sobrevivência. Para lutar contra eles é preciso identificá-los, o que nem sempre é fácil. O melhor traço identificador, é aquele que mais nitidamente une MTH aos activistas da FIS, o dr. Jardim Gonçalves a Vladimir Jirinowski, as feministas à «moral majority» é só um: uma grande, desoladora, irrecuperável falta de graça e de humor.

(..)

In:
Expresso, 25.Junho.94
José Sarmento Ferreira
Docente do ensino secundário e investigador da cultura norte-americana

1 comentário:

José disse...

Mas será que se precisa de toda esta torrente para explicar o que não tem explicação? é que se de um lado há expectativas de artista, deste também não faltam.
Simplifiquem-se as coisas e vá-se ver “Casablanca” - O filme, mas se for a cidade também dá.
Eu sei que isto é de 96; Agora temos casamento em incomplitude